quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Personificação do Banho

A Personificação do Banho
(Vinícius Andrade)

Os azulejos amarelos do meu banheiro
estão azuis de fome, beges de tédio
aguardando um fortuito próximo banho
uma nova canção, um choro, um berro

As águas que caem pelo meu chuveiro
esperam ansiosamente pelo meu corpo
enquanto eu apelo pelo amor de Deus
pedindo misericórdia para cada pêlo

Os fios de algodão egípcio da toalha
anseiam por essa pele tão 'brasileiro'
me abraçam daquele um jeito peculiar
de quem se sacrifica contra meu frio

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quartas Cinzas

Quartas Cinzas
(Vinícius Andrade)

pode ter feito o mais forte
o mais bonito ou mais torpe
aquele que suscita poesias
o sol de mil maravilhas
mas não adianta, não muda
a quarta de cinzas é turva
é data para introspecção
viver a folia da solidão
da obrigação de amanhã:
quinta ingrata, vilã

O Nosso Carnaval

O Nosso Carnaval
(Vinícius Andrade)

somos dois felizes
você uma daquelas atrizes
de anos profanos
com peruca alourada
pinta preta pintada
can-can saltando à perna
numa quente tarde de terça

somos dois felizes
eu, um daqueles infelizes
de olhos profundos
e face abobalhada,
em face à tua meiga risada,
personalidade fantasiada
de alegria e palhaçada

Marchinha Contemporânea

Marchinha Contemporânea
(Vinícius Andrade)

comporei uma marchinha
pra ser legal
sem usar nenhuma rima
tom atonal

e vou te chamar de neguinha
é carnaval
ser escroto e racistinha
já foi normal

vou pagodear a valsinha
sou genial
rimar cueca e calcinha
e pedra e pau

concluirei poesia minha
dom natural
samba de terceira linha
na real...

amores efêmeros

amores efêmeros
(Vinícius Andrade)

muito beijo
algum nojo
nenhum senso
tanto tolo
prazer torto
amor morto

Carnaval des amour

Carnaval des amour
(Vinícius Andrade)

uma notícia boa
pode ser ruim
pra mim
se vier numa data...
numa data especial!
como um diz feliz
ou o carnaval

um amor, no entanto
é sempre bom
mesmo que o mesmo
amor de outros carnavais
é o amor que tá ali
façam sóis,
temporais...

Mulher-Areia

Mulher-Areia
(Vinícius Andrade)

eu não me posso desejar
mulher tão tão verdadeira
que é coisa muito fina
que é artigo de primeira

eu só devo ser humilde
vida não faz brincadeira
sou só meio tom de homem
ela é uma oitava inteira

eu vou simples, devagar
pra fugir de ribanceira
sou sem sorte e sem flor
ela é a chuva da roseira

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Poema Do Chato Pra Caralho

O Poema Do Chato Pra Caralho
(Vinícius Andrade)

quando eu,
insuportavelmente eu,
representar uma figura
insuportavelmente
chata e pedante
aparência de arrogante
diante da tua crise
me minimize

quando eu,
arbitrariamente eu,
perturbar tua luxúria
arbitrariamente
sã e provocante
à lingerie lancinante
diante do teu anseio
me acuse devaneio

quando eu,
peremptoriamente eu,
insistir em ser mala
peremptoriamente
um mala gigante
da que não é rolante
perante pátios de aeroporto
me julgue morto

e quando eu,
politicamente eu,
te irritar quando falo
politicamente
tudo corretamente
alegando bem da gente
aguente, pois...
e me beije depois

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Morena d'Olhos

Morena d'Olhos
(Vinícius Andrade)

morena dos olhos d'mel
do corpo esguio
e dos cabelos morenos
à manhã és mais clarinha
impressionantemente minha
modelo top de linha

morena dos olhos d'terra
do seio duro
e dos fios de ovos
à tarde sois pardinha
como uma goiabinha
coisa boa, divina

morena dos olhos d'jabuticaba
do pescoço um
e de mão esquerda
à noite é escurinha
nem a lua te alumia
vira semi-neguinha

Coisa Poética

Coisa Poética
(Vinícius Andrade)

vou tacar um monte de palavras
que, soltas,
essas piranhas formarão
uma poesia
ou algo muito próximo a isso
já que hoje tudo é rima
tudo é lindo e linda
qualquer merda é poesia

cansei dessa porra de métrica
dessa babaquice que é a rima
ter que ter sentido
e inspirar
poesia deveria ser coisa orgânica
aquilo que te ajuda a respirar
ou a parar de falar bobagens
como estas

poesia deveria vir em guia
palavras piranhas libertinas
rimas meninas cretinas
métrica mocreias carcomidas
a coisa poética tá cansada
tá em desuso, tá mal-falada
já era
será?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

True Colours

True Colours
(Vinícius Andrade)

sou neguinho e sou branquinho
tenho em mim tantas cores
de todas as nuances
que me reflete a vida

sou azulzinho
no jeito mansinho
de montar meu afro
pra alisar teu coração

sou amarelinho, roxinho
lilás, verde e marronzinho
sou coloridinho
e quero cada vez mais cor

quem me dera viver assim
num ying yang cromático
quem me dera ser tudo
preto, branco e asiático

Que cor sou eu?
De que cor sou eu?
pois pardo é papel
e não tenho cor de véu

Sou negritinhozinho
sou o que quero ser
as cores que me sou
as cores que quero ter

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Amores, nunca segredos

Amores, nunca segredos
(Vinícius Andrade)

o grande segredo do nosso amor
é não dizermos sim
é não obedecermo-nos, enfim,
para continuar buscando o amor

o grande segredo do nosso amor
é ficar nesse ciclo
sem fim, sem início
de continuar atrás do amor

o grande segredo do nosso amor
é não ouvir 'eu te amo'
tantas vezes quanto eu desejo
e continuar fazendo o amor

A Vulgar Chegada do Som

A Vulgar Chegada do Som
(Vinícius Andrade)

penso em Carlitos
em Valentino
e na vinda do som
como terá sido
penso nisso...
penso em mim
e em como será
quando tomarem meu lugar
que ainda nem ocupei!
dá uma agonia, uma angústia
pensar no futuro
melhor nem pensar...
em homenagem,
vou calar.

o carnaval deste ano

o carnaval deste ano
(Vinícius Andrade)

o carnaval deste ano será
mais um 'o carnaval deste ano'

este ano
vou cantar, tocar, sambar
dormir, sorrir e me iludir
dizer, me liquefazer e ver
como nos outros anos
a folia vir
e ir

tudo rapidamente
tudo tão de repente
sem que dê tempo de sambar
só mais um dia...
sem que dê tempo de sonhar
com a eterna alegria

homem-pilotis

homem-pilotis
(Vinícius Andrade)

algo para falar
opinião
sobre a situação
polítiqueconomicaifinancêra
de um mundo sem chão
que ninguém sabe pronde vai

algo a dizer
sempre
sobre a opinião
de eu, tu, ele, nós, vós, eles
sócioidiológiquespiritual
no mundo de ocasião
que ninguém sabe quando cai

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Cartucho Vazio

Cartucho Vazio
(Vinícius Andrade)

- empty -
- slots -
- empty -
- vazio -
- empty -
- minds -
- empty -
- heart -
- empty -
- lifes -
- video -
- games -
- empty -
- slots -
- empty -

o medo do medo

o medo do medo
(Vinícius Andrade)

estou tremendo
sem mover um pelo
o medo é meu medo
da falha e do erro
e de ter medo

não tem coberta
que faça passar
o frio
filho desse medo
um frio morno

não tem água
para tanta sede
de coragem
para não sentir
tanto medo

sinto um medo
de ser do medo
de virar segredo
ao qual me apego
e me acostumo

vade retro, medo
suma comigo
deixa de ser de mim
de dentro deixa
mim, eu ser

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O beijo do homem

O beijo do homem
(Vinícius Andrade)

no beijo não há
pois o beijo não há
não mais
será que já?

o beijo do homem
outrora sempre
hoje dúvida
questão perene

o beijo mudou
virou abraço
destransformar
como faço?

só mais um beijo...
beijo bom, ruim...
whatever beijo
mas beijo, enfim

Aqui jaz o jazz

Aqui jaz o jazz
(Vinícius Andrade e Amanda Amorim)

ao som de jazz
um prato, dois garfos
três animais...
qual deles é capaz
de superar o som do jazz
a ponto de poder
como maestro, dizer:
- É isso mesmo, rapaz
a rima tá certa
aqui se diz é jazz.

Cadelices

Cadelices
(Vinícius Andrade)

como pode ter gente
menos gente
que muito cachorro
e cachorro
mais gente
que muita gente?

como é que há gente
que não entende
que muito cachorro
é menos cachorro
e mais gente
que muita gente?

como, gente?

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Rio-Brasília-Rio

Rio-Brasília-Rio
(Vinícius Andrade)

vou contigo na viagem
não que eu vá em corpo,
pois não comprei passagem
mas vou de intruso
no teu corpo jovem
no qual ficou meu cheiro

vou contigo na viagem
não deu pra ir em corpo,
pois não tive coragem
de abandonar tudo
emprego e bagagem
e meu tão pouco dinheiro

ah... mas eu vou contigo na viagem!
dessa vez, não em corpo
pois quero que na nuvem
vejas meu rosto
tom esbranquiçado-ferrugem
pelo climinha do cerrado

Eu ♥ Estado

Eu ♥ Estado
(Vinícius Andrade)

me ame também, Estado
torna-me cidadão
ande comigo, mão em mão,
me assuma teu namorado

me cuida a saúde, Estado
nasci órfão
e também sem coração
não me vira a cara de lado

me corta o açúcar, Estado
esprema-me limão
e tire-me o miolo do pão
pra eu não morrer infartado

me oferece cultura, Estado
por que razão
me obriga danças de salão?
gosto assim, tipo misturado

Meio, Mensagem, Passagem

Meio, Mensagem, Passagem
(Vinícius Andrade)

O meio é a mensagem
o meio não é a mensagem
o conteúdo é a massagem
e o túnel da passagem
para a mestiçagem
a saudável miscigenagem
o meio não é mais margem
nem meio, nem viagem
o meio?
fim.

Bad Movies

Bad Movies
(Vinícius Andrade)

gosto de filmes ruins
e de músicas com letras boas
que também sejam ruins
não me importam notas
contanto que as imagens
e as mensagens
me façam ficar afim
de ouvir e ver
me rir, me ler

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Rio Em Janeiro

Rio Em Janeiro
(Vinícius Andrade)

O Rio, Em janeiro
me tornou saudosista
daqueles fevereiros
em que éramos chuva

e não mais que isso
éramos chuva e suor
hoje somos areia e dor
poeira amiantada que cobre-lua

O Rio explodiu em janeiro
e eu fiquei meio assim
meio assado, parado.
deitado no meio da rua

e esperei não mais que isso
que algo caindo sobre mim
e eu subindo assim
alma leve, triste, nua

Medíocre Mediunidade

Medíocre Mediunidade
(Vinícius Andrade)

sou Vinícius do Carmo de Andrade
e não tenho nenhuma mediunidade
mas tenho muita mediocridade
e mesmo que já tivesse idade
para não ter mais mediocridade
seria, talvez, coisa da idade,
achar que a vivência, que a vivacidade
me tornariam alguém com mediunidade
para superar os vícios da mediocridade

Samba Sem Sentido

Samba Sem Sentido
(Vinícius Andrade)

Dormi no samba
Chorei às pampas
Criei expectativas pra caramba

Jantei aranhas
Morei na rampa
Lambi os seu suores das entranhas

Toquei bananas
Subi na lama
'Rranquei filés, alcatras e picanhas

Pequei na lhama
Nutri marianas
Zerei meu criativo, minha manha

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

IPO-me

IPO-me
(Vinícius Andrade)

por que não?
lançar oferta pública
de ações
do meu nobre e pobre coração?

acho que é isso
lançá-lo ao mercado
de corações
para não sofrer sozinho os riscos

depois, quem sabe, a alma
ofertar primeiro baratinho
divulgar só boca-a-boca
pra depois curtir a alta

vou enriquecer
com meu corpo e alma
emoções
em uma tela de LCD

A Ponta

A Ponta
(Vinícius Andrade)

o dedo que aponta
apronta
uma pronta armação
diretamente para a ponta
da própria testa